Eterno espanto

Eterno espanto

Fãs,

Não quero perder o espanto com as coisas. Mas é difícil. Queria olhar o mundo com o espanto de um bebê. Lembro, no Campo de Santana, quando vi uma primeira cutia, espantei-me. Lembro-me vagamente da primeira vez que vi chuva, da primeira vez que vi um humano, da primeira vez que vi um sofá, da primeira vez que andei de carro. Todas elas geraram espanto. A primeira vez que ganhei um carinho na barriga e gostei, espantei-me. Quando gatinho, tudo me espantava e me colocava a correr e a brincar. Difícil é manter o espanto. Com o tempo, parece que a chuva é só uma água que cai do céu, as cutias não passam de ratos superdotados, os humanos são apenas parte do cenário e os carinhos na barriga são até agradáveis… e só. Às vezes o tédio é tanto que gostaria de voltar a ser criança. Queria espantar-me com tudo. Mas já que não me espanto, durmo. Percebo que os gatos, conforme envelhecem, dormem cada vez mais. É porque vamos perdendo certos espantos. Tudo se torna tão previsível, tão humanamente previsível… Os humanos chamam isso de cotidiano. Ah, fãs, queria tanto conseguir fazer com que o extraordinário fosse cotidiano, mas será que isso não o faria deixar de ser extraordinário? E se o cotidiano fosse extraordinário? Imaginem, cada salto no parapeito ser inédito, conseguir a perfeição artística de fazer um salto diferente do outro a cada dia. Ah, fãs… ah, amados fãs. Por isto que busco a arte. Só ela e um punhado de fogos soltos pelo vizinho podem me causar espantos cotidianos. Como escrever todo dia e todo dia ser diferente? Como comer todo dia ração, mas inovar a cada vez que for comê-la? Pois só assim para eternizar momentos. Pois se são iguais, são substituíveis, um momento pode representar a todos os outros. Aí, estamos vivendo em vão, saltando em vão, comendo em vão… Talvez seja condizente com a vida, que me parece tão vã e tão sonolenta em tantos momentos. Por isto os sonhos me parecem cada dia mais interessantes e extraordinários.

Ass.: Borges, o gato – @borgesogato

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