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João Sem Braço

Ao Ozzy, meu amigo de muita distância, mas sempre por perto.

Fãs,

Cortei uma pata inteira. Calma, não se assustem, cortei só para fins imaginatórios e narrativos. Fiquei a filosofar sobre a ausência patal e as tantas formas de lidar com ela…

Imaginei-me um gato despatado, indigente qualquer, mas que provoca ciúmes em todos os outros gatos ao redor. As tias, veem-me despatadinho, tadinho, e preferem alimentar-me aos outros. Isso é bom!

Imaginei-me, ainda, seguindo essa vida. Até que encontro uma tia desposta a me levar pra casa, cuidar de mim, alimentar-me. Ela me leva, pois diferente de muita gente que não quer um gato sem pata, ela quer. No dia seguinte, na casa nova, a tia começa a tirar milhares de fotos de mim e a postar na internet. Quando leio, ela diz: “doem dinheiro para ajudar o gato sem pata, tadinho do aleijado, precisa de você que tem Deus no coração.” Uma tia mais mole, outra mais boba, doam dinheiro. Mas a tia adotiva ainda acha pouco, coloca mais fotos, me deixa mais magro e pede mais dinheiro: “esse gato vai me deixar rica” e, quando descobre que não, põe-me na rua de novo. Isso é ruim!

Na rua de volta, cabisbaixo, passo a me esconder das tias: de centro das atenções, passo a ser o gato da penumbra, dos becos, o gato noturno. Até que outra tia aparece, sem câmera, sem fala, me acaricia e me leva. Em sua casa, ninguém sabe, ninguém me vê, não tem flash, não tem barulho, tudo é carinho, tudo é conforto. E ali fico sem minha pata, até esquecer que não tenho pata. E vivo como um qualquer, como Borges, o gato, talvez, caso quisesse, mas escolho ser ninguém, cansado de já ser tanto. Dou uma de joão sem braço e peço mais ração, mais carinho, mais amor, sem conseguir entender que o que é um presente pra mim é apenas o cotidiano pra ela. Isso é bom!

Ass.: Borges, o gato – @borgesogato


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6 comentários em “João Sem Braço

  1. Borginho, como não me render à filosofia Borgiana?!…
    Despatado ou não, vc é apaixonante… ❤

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