O fotógrafo

– Borginhooooooooooooooooo-ô! – a manhã acordou com esse grito da mamãe. Certeza que o sol deu dois ou três bocejos antes de levantar e vir brilhar a dois palmos da minha fuça rosa.

– Que foi, mãe?

– Hoje é o dia de você tirar foto pro jornal.

– Ah, mãe. Quando o moço da foto chegar eu acordo.

– Nada disso, menino. Vai lamber esse pelo pra se lavar, vou tirar suas remelas e te escovar.

– Ah, mãe mas…

– Sem “mas”, vamos levantando.

– Mamãããeeeee – nessa animação acordou a Christie.

– Oi, filhinha.

– Já que o Borginho não quer, eu tiro as fotos por ele.

– Poxa, filha, mas o moço do jornal quer o Borginho.

– Ai, esses humanos são sempre assim, só querem quem não quer eles.

– Gente, chegou o fotógrafo do Globo. – papai gritou lá debaixo da casa.

– Hola, qué tal? – ouvi um moço falando em espanhol – es que soy uruguayo – explicou o fotógrafo.

– Ah, prazer. O Borges adora falar espanhol.

– El gatito?

– Isso.

– Qué impresionante. Y dónde está?

– Genteeeee, pode descer, o fotógrafo já está aqui. – gritou de novo papai.

– Ele tá embaixo da cama e disse que não vai sair – gritou mamãe de volta.

Christie desceu a escada correndo e ficou fazendo travessuras no sofá esperando que o fotógrafo fosse disparar-lhe alguns flashs. Nada. Ele sentou e ficou me esperando. Miados ecoavam pela casa toda, era o Grey que tinha sido trancado para que eu pudesse descer. Mas eu já tinha falado que não desceria de jeito nenhum, o fotógrafo se quisesse que subisse para me fotografar embaixo da cama, afinal o profissional era ele e o astro era eu.

Papai estava abaixado de um lado da cama. Mamãe de outro.

– Borginho, por favor, para de má-criação, sai daí que te dou uns petiscos.

– É, Borginho, sai, não seja bobo. Vai ser rapidinho, duas ou três fotos.

– Não. – respondi seco.

– Borges, te dou um petisco.

– Não.

– Um saco de petiscos.

– Não.

– Um saco de petiscos e um sachê.

– Não.

– Um saco de petiscos, um sachê e uma lata de atum.

– Fechado. Cadê?

Porém, nunca se pode confiar em humanos, ainda que eles sejam seus pais. Quando saí de debaixo da cama, mamãe atirou uma toalha em cima de mim, como se estivesse capturando um leão, me enrolou e me desceu na marra!

– Moleque malcriado! Fica querendo chatagear seus pais.

O fotógrafo achou engraçado eu estar todo enrolado e fez risinhos da minha desgraçada.

– Parece un momio así, no? Un gatito momio del Egipto.

Eu estava de cara fechada, mas quis acabar logo com o sofrimento. Tirei umas fotos no sofá, outras na mesa, ainda outras na escada. O que era para ser umas 2 ou 3 fotos viraram 2 ou 3 mil fotos.

– Ahora ya tenemos una, creo – Finalizou os serviços, o fotógrafo.

Subi as escadas, o fotógrafo deixou-nos, o carro do O Globo se foi. Ficamos papai, mamãe, Christie e eu apenas.

– Pai, mãe, não quero mais ser famoso é muito ruim.

– E o que você pretende, filho? Vai parar de escrever?

– Não, papai. Tenho uma ideia melhor, vou escrever como se fosse um humano, assim ninguém vai achar nada interessante.

– É uma bela escolha.

– E quando vier um novo fotógrafo, você tira as fotos no meu lugar, tá, papai?

– Tá, Borges… vamos pensar no assunto. Tenho certeza que você vai mudar de ideia depois que se ver no jornal.

– E quando sai, pai?

– É amanhã, filho.

Ass.: Borges, o gato – @borgesogato