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Saudade de Babel, saudade de papel

Fãs,

Em cima do guarda-corpo da varanda, me bateu uma saudade. Saudade pelo olfato, trazida por algum vento distante. Era um cheiro de papel amarelado, destes que faz traça babar. Foi um aperto que deu no peito, um miadinho frio preso na barriga, lembrei da minha biblioteca que chamava de Biblioteca de Babel. Sei não de onde veio o cheiro, talvez alguma moça tenha ganhado um livro e ao abri-lo veio até mim. Talvez algum professor estivesse preparando uma aula. Algum menino se entretendo antes de dormir.

Papai trouxe consigo, para o castelo do Mario Grey, uma pilha de livros de gatos, os quais já li e reli umas dez vezes e um livro de poesia angolana que ficou esquecido na sua mochila e que os versos já sei de cor: “Desossaste-me cuidadosamente inscrevendo-me no teu universo como uma ferida, uma prótese perfeita, maldita, necessária.” Queria poder voltar a dormir sobre os livros e sentir o cheirinho das letras, como as menininhas aqui da rua sentem o cheirinho das flores no quintal. Queria mordiscar uma página, como a vovó mordisca os pedaços do bolo que faz. Queria dormir, simplesmente dormir sobre a estante de livros, na esperança de um dia virar um, pois os livros são objetos que se manipulam como um gato e cada virar de página é como um carinho nas costas e cada leitura de sílaba como encarar de frente um gatinho miando.

Hoje, voltei a ler todos os livros que estão por aqui, de trás pra frente e de frente pra trás, mas li palavras soltas e brinquei de juntá-las com as de outras páginas perdidas, só para inventar histórias novas. Mesclei histórias de gatos, com poemas de além-mar, desci e peguei as receitas da vovó e adicionei xícaras de versos saltitantes ao meu dia. Corri para a sala e peguei listas telefônicas, bulas de remédio, Bíblia, fui juntando e montando a história de um comprimido salvador que veio ao mundo no 2473-0029. Depois me cansei e dormi sobre bulas, versículos, poemas e ingredientes. Sonhei com a Biblioteca e agora escrevo de dentro dela.

Ass.: Borges, o gato – @borgesogato

Para quem não chegou a conhecer a biblioteca onde fui criado e aprendi a ler, deixo dois posts:

1 – http://www.borgesogato.com/de-cabeca-pra-baixo-na-biblioteca/

2 – http://www.borgesogato.com/borges-en-la-biblioteca-de-babel/

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Estava no parapeito quando descobri que a saudade pode começar pelo olfato

 

 

 

10 comentários em “Saudade de Babel, saudade de papel

  1. Também adoro livros, Borginho .. adoro ler!!
    Meu pai tinha uma biblioteca também na antiga casa que passei a minha infância e adolescência. Era meu lugar preferido e eu passava horas lendo e viajando nas letras e nos sonhos que cada um me proporcionava.
    Ao ler o seu texto de hoje, bateu saudade também. Do cheirinho de livro novo, de livro velho, das flores que batiam na janela da biblioteca enquanto eu lia e adormecia muitas vezes ..hehehe
    Hoje em dia, de certa forma, estou como você .. vivo em um apartamento e fiquei órfã da biblioteca que tanto amava.
    Mas pelo menos podemos lembrar e sonhar com ela, né? Quem sabe hoje? Boa noite, fofura e muitos lambeijinhos!!

  2. “Xícaras de versos saltitantes”… às vezes é mesmo o que falta… sabe, minha estação predileta é o outono. Talvez porque, além da temperatura amena e dos dias reluzentes, tenha cheiros trazidos pela brisa fresca…

  3. Lindo texto!
    Ah Borges tomara que logo logo você volte a ter sua biblioteca.
    Viver sem gatos, livros e discos pra mim é viver sem alma.

  4. OI Borginho…vc tem razão. O cheiro é nosso pior inimigo quando se trata de saudade.
    É através dele que somos pegos de surpresa, sem preparo emocional nenhum, e quando vemos: pumba!!!
    Lá estamos nós saudosos de algo ou de alguém e nessa hora só nos resta relembrar e reviver, ou esquecer novamente.
    Bjs e tenha certeza de que dias melhores virão!

  5. O que foi feito de sua biblioteca, Borginho? Certamente seus livrinhos estão guardados, empacotadinhos, só espeando a hora de irem novamente para uma grande estante onde tenha espaço para seus cochilos. Beijos.

  6. Borginho, tá tudo lindo… Só não entendi esse negócio de “veio ao mundo no 2473-0029”.
    Dá pra explicar? rs Aperta a tecla SAP aí que a tia aqui “boiou” dessa vez…
    BJ!

  7. Ta lindo o texto menino….mas deu peninha, também adoro minha biblioteca que agora esta desmontada e desmembrada pelos países em que morei…um dia como voce terei de volta meus preciosos livros e as horas de sonho e devaneio que cada um me dá…bjo da tia

  8. Que carinha de dar dó Borginho, mas fica assim não,logo vc vai ter uma linda biblioteca de novo!

    Lambeijo!

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