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Uma máquina do tempo chamada cama

Fãs,

Às vezes mamãe entra no quarto, topa com um objeto caído no chão e diz: “Noooossa, nunca mais tinha visto essa lagartixa de borracha. Apareceu do nada.” Papai, também, às vezes descobre algum objeto novo pelo quarto: “Caramba, a meia que ganhei de natal da minha mãe apareceu aqui!” Papai e mamãe são tolos. Eles acham que as coisas haviam desaparecido. Na verdade, eu só havia levado para debaixo da cama. É lá que guardo minhas recordações e faço meu tempo passado. Quando gosto de algo, levo para debaixo da cama, assim fica imortalizado. Quando quero reviver, entro debaixo da cama e é como se eu voltasse ao passado. Debaixo da cama escondi um elmo de um soldado romano, uma carabina de um corsário inglês, um lenço de uma jovem romântica, um martelo de um escultor barroco, uma coroa de uma rainha absolutista, uns óculos de alguém que não sei mais quem é, mas que imagino que seja bom. Quando entro debaixo da cama, reencontro comigo de outras épocas, através do pelo. Pelos de dias que ganhei carinhos deliciosos, pelos de dias em que ganhei sachê, pelos inesquecíveis que sempre reencontro debaixo da cama, ainda branquinhos e com meu cheiro. Toda vez que me escondo, na verdade, só me escondo do presente, pois fico muito presente no passado. Já tentei levar mamãe para debaixo da cama, já tentei levar papai. Mas toda vez que eles entram, querem recolher tudo que está embaixo, remover os pelos, acabar com o passado. Não sabem o gosto que tem estar em um ambiente escuro, com objetos de outro tempo. Não sabem que a cama é uma grande máquina do tempo.

Ass.: Borges, o gato

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Foto de Renéé D’Ávila – Contato profissional: reneefotografa@gmail.com

Flickr com seus trabalhos: http://www.flickr.com/photos/reneedavila

7 comentários em “Uma máquina do tempo chamada cama

  1. ô gentem….. deixa minhas coisinhas de recordação embaixo da cama, vai… Não recolhe não…
    Fofo texto.
    Beijinhos,
    Jô e Lola

  2. Borginho,
    Pensando por este prisma, acho que eu vivo debaixo da cama, sabe? Males de uma canceriana…
    🙂

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